domingo, 19 de julho de 2009

sobre um rommie

de natacha orestes

.era um momento bobO. todos tentavam ignorar suas externidades de movimentO. os olhos iam-se como fossem naqueles segundos bolinhas de gude ao encontro de um objeto louco qualquer na sala congeladA. era necessário que se olhasse para algum lugar, como fosse o olhar um movimento natural e espontâneo de olhos famintos por algo a ser vistO. era necessário que os olhos não ficassem vagos para que não dessem a idéia de olhos que pensam em algo que paralisa o olhar de tão profundo, gesto de pensamento perplexO

.eram algumas pessoas na sala, unidas pelo medo, pelo silêncio e palavras fingidamente naturais que fossem capazes de tingir o espanto com as cores mais normais já vistaS. era um momento violento dentro de cada palavra não ditA. em todos aqueles gestos havia o encerramento de uma escolha e de um jamais comum acordO

.dentro dele a vontade de mordeR. e mordiA. mordia os dentes forte apertando uma arcada contra a outra como se estourasse algo ali que pudesse atingir o externO. queria beliscar, queria socar, queria gritar uma palavra bruta e única capaz de revelar os esconderijos de cada alma naquela sala de estar onde estavam todoS

.dentro dele todas as verdades do mundo em conflito, balas de revólver quase cuspidas de modo a quase ferir os ouvidos, de quase mostrar a boba perplexidade à tona, de quase começar uma iniciação de mudança de atitude, uma revolução familiar mais nítida porque já era revolução escondida, um tipo de estado mais frio do que a própria Guerra Fria, sem a arma e o escudo das palavras - só pensamentoS

.dentro dele o alimento da raiva e o germe do amor, e quanto mais raiva sentia, e quanto mais perplexidade, e quanto mais secura de expressão e frigidez de reações eram percebidos naquele instante bobo, mais amor ele queria, e maior era sua raiva diante da impossibilidade da palavra mais que certa dentro de um contexto possível e certO

!qualquer coisa na tV

!eles imploravam por qualquer coisa tola na tV

.ele queria quebrá-la, jogá-la, explodi-la, quebrar os móveis, quebrar aquele silêncio violentíssimoe grave de não poder seR

.ele não podia seR . não podia apenas seR

.ninguém queria demonstrar perceber ali- embora algumas soubessem de fato - que ele sempre fora, desde ainda criança quando mudava seu comportamento, desde quando começava a se afastar do futebol. que o pai tanto lhe exigia o esforço, o suor, a corrida, o gol, o masculinO . desde quando começou a detestar futeboL

.ninguém ali queria perceber que ele era e ele sempre forA ! os grandes conflitos interiores eram necessitados de máscara, dinheiro, festas e sorrisos e grandes viagenS

.ninguém ali permitia que ele simplesmente fossE

.e a atenção só recaiu sobre ele num momento menos grave, nas suas brincadeiras com a erva, cigarrinhos e etílicos, brincadeira bem menos perigos que a brincadeira sem graça e macabra do eu penso e não digo e você sofre por concluir que sei mas não falO, brincadeira que todos jogavam na sala naquele instantE . aquele jogo do bobinho, onde alguém fica no meio tentando pegar a bolA . a bola é o pensamento que nunca se alcançA

.tudo era necessário de ser feito para que ele não brincasse suas inocências adolescentes de cigarrinhos que promovem idas e voltas sem movimentO

.os corações doíam, mais ainda o de mãE

.as línguas bifurcavam-se em venenosos dissilêncios a respeito dos cigarrinhos de brincadeirA

.e dentro dele, neste instante bobo, neste instante bobo, neste instante bravo, na sala, a indignação perplexa tomava conta de cada gota de seu sanguE

.este instante linearmente após uma piada homofóbica arregaçava-lhe as víceras, as cóleras, e ele mordia, a bala quase explodindo saltitante de sua boca comprimida, quase explodindo os dentes para matar de vez aquele hipócrita silenciar de pensamentoS

.era mais um dia sozinho, e era mais uma raiva engolida, digerida, recolocada, recalcada, recalcada como todos os não dizeres recalcados daquela salA

.mas ele estava aprendendo a dizer sim, um dia aprenderiA . e ele sabia que era quase o instantE

.não fora desta vez que a palavra saíra da jaula, mas sairiA

.e enfim, ele poderia seR

.independente daquelas pessoas, um dia ele seriA